Mãe e o "quanto baste"




Já que as perguntas sobre  a existência humana são infinitas e, por vezes, angustiantes, nada melhor do que ter um dia certo, como o dia das mães, para celebrar quem demarca um lugar para nossa origem. Entre as celebrações de maio, mães por perto, outras que partiram, filhos que vieram e  a vida segue.

Cá estamos como adultos, afinal  não nos deixam ficar numa daquelas paradas deliciosas de ganhar mamadeira;   receber o sono  com um beijo e  uma história que adormece;   ou,  simplesmente, ter alguém contra quem se rebelar e depois voltar para seu colo sem pestanejar. Resta fazer das  duradouras lembranças ingredientes para percorrer e  degustar nossos próprios caminhos.

Entre mil delícias dos feitiços maternos culinários, retorna a cena de uma fábrica de biscoitos que, de tempo em tempo, invadia a cozinha da infância. As delícias quadradas, redondas, retangulares,  passavam por um grande forno de tijolos, no pátio da casa. Depois, latas de todos os tamanhos aguardavam a chegada de seus crocantes visitantes, mas a hospedagem era por poucos dias, pois os interessados em guiar estes viajantes eram vorazes!

Fazedoras ou não  de biscoitos, amantes da culinária ou da tele-entrega, a arte do cuidado tem uma boa dose da sensibilidade materna. Assim, permanece na lembrança gostos dessa infância feita do intenso toque de mães que nos acompanham para sempre. No livro que ficou de herança, com papel amarelado pintado pelas mãos lambuzadas,  encontro a memória materna nos  ingredientes do  preferido “dedinho de mel”:

Ovos: Tudo parece tão óbvio, daquele  minúsculo “ovo”  um novo ser aparece com vida própria para afirmar o ciclo da sobrevivência. A façanha da gravidez acontece. Enquanto a mãe domina  o ato de nutrir no próprio corpo esta outra vida,  a “clara” e a “gema” fofocam no lado de  dentro, tramando  a mistura para nascer com um novo sabor.

Leite: Depois  de nove meses no lado de dentro,  passamos  para o   aconchego do contorno do corpo no lado de fora,   apreciando o precioso líquido que nutre a vida.

Mel. Dizem que é o único adoçante natural que não precisa  ser refinado. Perfeito! A doçura materna não precisa  de sotisficação ou  treinamento.

Manteiga. Está tudo muito bom mas quando se trata de uma  relação de tamanha intensidade é preciso   cuidar das saturações sentimentais. Se  virarmos uma  “manteiga derretida” o humor desanda e a gordura pode obstruir contatos. Seguimos em busca da medida certa nos deslizes que lambuzam  os  corações de mães e filhos com fortes emoções.

Açúcar Cristal. Mais doce? Pode até enjoar, mas aqui o açúcar é misturado com canela.  Então, quem ousa questionar duas das especiarias mais velhas do mundo: a canela e a doce determinação maternal!

Sal Amoníaco. Nunca ouviu falar? Algo como “no meu tempo se usava....”. Aquele argumento da experiência saudosa que insiste em revisitar a vida que passou. De qualquer forma, o tal sal amoníaco existe e carrega o segredo da crocância dos biscoitos. Portanto, uma pitada  da sabedoria   materna pode ser a química de uma boa história que  reaviva  o  presente.

Farinha de trigo. Até aqui os ingredientes estavam indicados com as medidas exatas em xícaras, colheres, gramas. Então, temos a conhecida  farinha de trigo que produz o  pão nosso de cada dia. Qual mãe negaria este alimento ao filho?! Mas logo na farinha a medida indicada é  “o quanto baste”. Qual é a dica? Mesmo que o cuidado materno vacile em deixar sua cria correr  mundo longe de seu olhar, no fim, o que mais deseja é  acompanhar a ousadia da figura que criou vivendo  sua própria experiência.

Porção: 500 biscoitos! A medida o  “quanto baste” movimentou bem mais que uma ou duas  xícaras de farinha na receita experimentada pela  filha e pelos netos. Muito mais que o esperado? E quem disse que temos uma dose suficiente de mãe na vida!


Comentários

  1. que delícia, Gislei.
    só me deixou com mais vontade daquele encontro presencial...
    :) beijos

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