Mar


Mar.
Andei de um lado para outro da cidade com  o mar a acompanhar meu olhar.
Algumas horas de distância deste enamoramento e ao retornar  ele  sumiu!
Mais alguns passos e a sensação de abandono  partiu.
O mar estava a brincar  com os movimentos da lua.
Coisas da maré.

Então,  meus passos foram conduzidos pelo  som de tambores acompanhado de vozes femininas.
Abandonei o mar e suas brincadeiras de ir e vir.
Andei por ruas e casas de outro tempo.
Entrei no túnel de nossa história levada pela  cartografia   de uma  nova cidade em meu mapa.

Os tambores faziam a percussão de meu coração como se ali encontrasse um destino.
Percussão da vida brasileira que toca aqueles que habitam, antes do próprio endereço,  a terra deste país de todas as latitudes.
O ecoar dos tambores convidava para seguir  com o movimento da  dança no passo do olhar.
Subir e descer  ruas e  escadarias num labirinto  cultural.
Cores de hoje, cores de ontem, azulejos desenhados entre cores.

E vislumbro o mar novamente.
Um morador, atento as minhas interrogações com uma amiga,  responde sem ser perguntado.
Uma fala afirmativa, mas acompanhada de certo desgosto …
Arrisca perguntar às turistas se enxergávamos tudo da cidade.
Tudo?
Sim, para além do centro histórico e dos novos bairros feitos das torres que olham o mar à distância. As ruelas, a periferia, o chão de poeira,  as casas feitas de tudo um pouco.
Como muitos territórios de capitais brasileiras,  lugares onde  a vida da maioria  é esquecida.
Sim, vi entre meus percursos de “estrangeira” o que um turista “não deve” ver.
Mas pensei:  tem o mar…
Quilômetros de águas com seu sabor de sal e o dançar das ondas que rondam a cidade.
Águas de todos.
Não…
Este mar  não é para  ninguém.
Andamos, perguntamos, insistimos e ouvimos a mesma sentença: o banho é proibido.
Mesmo  onde a “nova” cidade  é construída, as  torres contribuem para o desuso do mar.
Não é "mérito" desta cidade, quantas capitais brasileiras salgadas e doces vivem  águas proibidas?
Mas ali  o contraste da imensidão  do mar com a impossibilidade de seu toque faz sentir a maresia da dor.

E o olhar mareado é desviado pela  magia de uma cultura que ecoa nas insistentes batidas do coração.
Seguimos.
  
Entre as tonturas do mar que conta as histórias de  Alcântara e São Luís do Maranhão encontramos a jovem professora que fala  desta terra com firmeza, entre o  gosto pelo lugar de ensinar e  o olhar apaixonado pela vida feita com o movimento de mudar.

Na onda do Bar  “Antigamente Saint-Louis” degustamos a pimenta com pata de carangueijo provocando tamanho  riso que  fez encontrar,  em  outra mesa,  a amizade entre cidades -  Porto Alegre,  Manaus e Florianópolis.

E o sonho chega com a convicção de um jovem que  enuncia o orgulho com  seu aprendizado e trabalho no belo e saboroso Restaurante Escola.   Rua do Passeio na   esquina com “minha” rua,  Rua do Giz.  Sim,  fique atento, podes  encontrar a tua rua no centro histórico de São Luís: Rua da Paz, Rua do Sol, Rua dos Prazeres, Rua das Flores, Rua das Hortas, Rua da Viração, Rua da Inveja, Rua da Saúde, Rua da Estrela, …

E voltei com o balançar do tambor de crioula que pousou em meu coração numa das casas destas ruas feitas de história. No meio da morada  o pátio com o teto feito da lua com as estrelas. O som dos  tambores no tato das mãos masculinas ressoa no movimento dos corpos femininos,  entre saias coloridas que rodam o tempo.

Em minha memória está o olhar de uma destas mulheres, cujo  brilho e altivez vislumbram  a certeza de que é preciso fazer de nosso movimento um horizonte em busca da herança que abandonamos. 
O mar. 

Comentários

  1. Parabéns querida Gislei, amei o texto. Nossa ilha é linda mas infelizmente o mar é impróprio para banho, no entanto, resta-nos admirar o movimento de maré do mar que impressiona a todos. Sucesso e muitas felicidades, beijos: Dayse.

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  2. Bonito isto das ruas, de nos encontrarmos nas ruas, de as ruas falarem algo sobre nós e que vem antes da gente, mas que só reconhecemos porque passa pelo que somos.

    Aqui em Salvador tem um outro contraste. As ruas dizem coisas que não vivemos e que transformadas por uma curiosidade estrangeira veste-se de beleza: Rua do Tira Chapéu, Rua da Forca, Ladeira da Preguiça, Beco das Quebranças ...

    Espero para conhecer São Luis na companhia de Pessoa e Dom Sebastião!!

    bjs.

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  3. Bonito isto das ruas, de nos encontrarmos nas ruas, de as ruas falarem algo sobre nós e que vem antes da gente, mas que só reconhecemos porque passa pelo que somos.

    Aqui em Salvador tem um outro contraste. As ruas dizem coisas que não vivemos e que transformadas por uma curiosidade estrangeira veste-se de beleza: Rua do Tira Chapéu, Rua da Forca, Ladeira da Preguiça, Beco das Quebranças ...

    Espero para conhecer São Luis na companhia de Pessoa e Dom Sebastião!!

    bjs.

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