Um porto com Elis e Maria Rita


Caía a tarde feito um viaduto... em Porto Alegre, no dia 24 de março de 2012.

Porto Alegre, Anfiteatro Pôr do Sol
E a cidade em torno do Anfiteatro Pôr do Sol foi sendo povoada por passos de todas as idades e gostos. Ao compor esta caminhada o corpo abandonava, aos poucos, a conhecida sensação  de receio que nos toma, hoje em dia,  ao andarmos  nas ruas.  O presente já  estava ali, sendo desembrulhado,   na bela experiência  do corpo de  soltar seus passos e  seu olhar  para compor  algo em comum na cidade.  O caminhar fez de  moradores desconhecidos acompanhantes guiados pelo Guaíba, em dias de celebrar  o aniversário de um porto de todos.

Nem o lago  nos aguardava sozinho, pois o sol o  acompanhava para nos receber com o pouso de seu  brilho nas  águas. Então, ela chegou.  Vestida de branco com sua voz doce e sensual, hesita para falar no meio da  emoção de todos com aquele momento. O calor do sol ainda estava presente, mas o arrepio do acontecimento percorria o corpo sem solicitar agasalho. Maria Rita estava ali para conosco homenagear Elis. Mãe e filha, filhos e filhas de uma  terra que   experimenta   a arte  de sermos  artesãos da cidade que desejamos.

E a voz invadiu o tempo.  as águas de março fechando o verão, é promessa de vida no teu coração.  Porto Alegre, entre mãos que dançavam nos ares de outono trazidos pela noite,  foi embalada e revirada com milhares de vozes que ousaram  virar uma Elis. A Elis de todos.

O entardecer foi  acompanhado pela delicadeza de bolinhas de sabão que trouxeram a infância para acolher o carinho  maternal do momento. Então, as estrelas foram convidadas a chegar com balões  azuis lançados  ao céu. O tom  azul da noite  dizia dos   mistérios que a instigante trajetória de Elis nos lança.

A noite chegou e as músicas com o tom político e denso, num arranjo  musical  forte, nos fez sentir o limite da morte e da vida de quem não cala na   defesa do direito à fala de um país. Para seguir, o encontro de Maria Rita  com a  mãe-mulher que se faz de uma  ausência  presente  na voz da mãe-artista.  E fomos invadidos  pelas   lembranças de quem partiu e que segue na memória de nossas  pulsações.  

Quando tudo já transbordava na façanha de Maria Rita ao produzir a cativante combinação de  voz, letras e   arranjos,   com nossa  presença entre o  céu, sol, sul, terra e cor ,  ela evoca Milton Nascimento. Pensei: se  cantar Amigo é coisa para se guardar terei que fazer de uma bolha de sabão a travessia para outro porto  para dar conta desta intensidade. Ela não cantou esta música, um ato de delicadeza com tamanha emoção. Cantamos na  intimidade de nossas lembranças. A amizade estava ali nos laços de Elis e Milton, nos atos de Maria Rita e na experiência compartilhada por   cada um de nós. É preciso ter graça, é preciso  ter sonho, quem traz na pele essa marca, possui a estranha mania  de ter fé na vida ...

Ao homenagear a mãe,  a filha  fala de si e de nossa história, fazendo da  herança  materna  um marco  inesquecível da amizade com as terras deste país. A esperança equilibrista, sabe que o show, de  todo artista, tem que continuar... E Maria Rita continuou, fazendo de  sua história e autoria uma bússola para  afirmar a memória da arte brasileira, enunciando as palavras e atitudes maternas que nos fascinam e  inspiram para  prosseguir nesta travessia.  


Obrigada Maria Rita,  por nos presentear com esta singular brincadeira de roda em nosso aniversário,  um presente que cantou  a arte brasileira   no porto de  nossos corações.

Como se fora brincadeira de roda
Memória!
Jogo do trabalho na dança das mãos
Macias!
O suor dos corpos na canção da vida
Histórias!
O suor da vida no calor de irmãos
Magia!


Comentários

  1. Eu não estava lá em corpo, mas estava em alma! Ao ler "Um porto com Elis e Maria Rita" pude sentir o arrepio da emoção, pude sentir nos detalhes as cores, as vozes, os aplausos para a vida que pulsa em nossa cidade! Que bom tê-las perto, mulheres queridas que fazem e escrevem acontecimentos! Beiju

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  2. Gis, sempre encantando com essas lindas palavras. Em teu texto pude identificar exatamente tudo que senti neste momento mais do que mágico! Obrigada por compartilhar conosco!

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  3. Rosângela da Luz Matos26 de março de 2012 às 11:42

    Gisa querida,
    Saudades de ventos outonais.
    Por aqui, os tempos são de mangue.
    Reprodução.
    Sal, doce e muita água banham esta criatura.
    Por isto tanta leseira,atoleiro.
    Um devir carangueijo se faz em mim.
    Em breve, casca grossa e colorida.
    Vou ver o mar. Já, já vou ver o mar!

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