Na estrada ...



Andava relapsa com a arte do cinema.
Por acaso assisto uma entrevista de Walter Salles sobre o Filme "Na Estrada".
Nada sabia a respeito.
Alguma lembrança distante do livro que inspirou o roteiro, On The Road de Jack Kerouac .

Dia embrulhado para ficar em casa entre letras para ler e escrever. Mas insistiam as cenas do filme feitas das palavras do diretor que adoro. Uma história de vida instigante de personagens trilhados pela trajetória do próprio escritor. Movimentos entre uma sociedade que normatiza como devemos ser e uma estrada a experimentar.Qual a fronteira? Já estava na estrada, era preciso seguir.  

Escrevo no movimento do filme, ignorando quase tudo que o produziu, mas invadida pela vontade de fazer algo com a sensação que ficou. A busca da vida na intensidade das vontades. 

O filme termina e eu permaneci ali, entre os créditos finais, sob efeito da melodia que trilhava estradas.
Música que iniciou o filme, andou com ele e finalizou.
Finalizou?
Era preciso sair da sala de cinema.

Na passagem ouvi alguém dizer: … não gostei …
O que poderia dizer sobre gostos e desgostos neste percurso?
Encontro vontades.
Elas não gostam, elas vivem!

O filme é trilhado num período de cerca de três anos, mas a vida inteira está ali.
Vida inteira … o que seria uma vida inteira?
Quantas vezes estamos instalados num instante que contem a inteireza da vida e ali queremos ficar, mas vem o combate com algo que pede passagem.
Quantas vezes vivemos dias e dias sem experimentar instante algum, e já não sabemos para que passar.
Qual  o tempo de uma vida quando o que nos move é a intensidade do vivido?

Vontades em ato na geografia de estradas feitas do movimento de vidas amigas.
Menos que o próprio corpo, pura sensação que se abandona no percurso da experiência para estar no instante.
Muito mais que o próprio corpo, pois necessita do contágio com o outro para experimentar-se no tempo  de muitos.


E lá estamos sentindo a chuva no rosto, o frio nos ossos, o sol escorrendo com o suor numa colheita de algodão, a febre de tanto viver, a dor de um olhar e de uma escolha a fazer…


Arriscar viver vontades sem vacilar.
Quem somos antes e além da geografia da casa, do nome, do trabalho, da família, da cidade?
Estamos na estrada.
Mas qual?

Para acolher tal intensidade uma interlocutora inquestionável:a literatura.
Está entre personagens,
está na obra que inspirou o filme,
está na vida.

Tão poucos ousam a vida de escritores.
Mas escritores da vida todos somos, inscrevemos  vontades na estrada que movimenta nosso mapa.
E se a coragem vacila, temos a arte.
Sempre determinada. Em prontidão para acolher o que faz nosso corpo pulsar sem vacilar.

 E, assim, abandonei minha abstinência com a bela arte do cinema.


Comentários

  1. Ainda não vi o filme, mas já percebi que é muito inspirador... Bjão,
    Eda

    ResponderExcluir
  2. A literatura é mesmo um outro generoso, amoral.
    Gosto muito do personagem central de América de Kafka.
    Ele expressa bem esta poética do viver nos limites das relações consigo mesmo e com os outros.
    O aspecto mais difícil para nós, herdeiros do fim do mundo, reside no fato de que não há romantismos quando se toma o viver em suas intensidades.
    Talvez eu não consiga ver o filme. Mas Roma de Wood Allen também sensibiliza intensidades no olhador.
    bisus,

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Um fio para guiar a intimidade

Esquecer?

A lucidez de Elena