“Alegria Passa-e-Fica”: Paraí!


Uma sexta feira de 2011 com destino à minha cidade natal, no interior do Rio Grande do Sul. Na saída de casa o zelador  aguarda  com um pequeno pacote. Sorrio ao perceber que estava em minhas mãos o prometido presente de aniversário: de  Salvador para Porto Alegre.  Um singular presente, afinal qual autor  entregaria seu livro antes do lançamento? Conquista de quem acompanhou a criação da obra e aniversaria, exatamente,  quando papel e tinta fazem desta criação a matéria para chegar em nossas mãos. Poderia  abrir o pacote ali,  saciando a curiosidade da espera de tantos dias. Mas o destino anunciou que eu poderia fazer durar o  tempo de presentear para torná-lo ainda mais saboroso. Naquele exato momento eu  viajava para Nova Prata, distante   32 quilômetros de um dos personagens de meu presente: o município de Paraí.  A vontade de abrir o pacote  era  grande, mas o destino de nossos percursos é soberano quando o lema é viver o trajeto da paixão que produz a experiência. Decido  não  deixar passar a possibilidade de abrir o pacote, habitando o lugar que compõe o enredo deste livro-presente. Passado o trajeto  Porto Alegre-Nova Prata, uma  parada.

Enfim, sigo pela estrada  que faz revisitar  passagens da infância  e,  entre  lembranças, chego  à cidade esperada. Saindo da estrada principal encontro  um percurso margeado de morros, muito verde,  pequenas moradias, plantações,   e chego à área urbana  da cidade. Uma rua principal nos leva à  praça, lugar que podemos designar como  referência da cultura das cidades de nosso interior.  Num dos bancos  amarelos, sob a sombra convidativa das árvores e  entre crianças que se divertem nos balanços, encontro o lugar exato para abrir meu presente. Depois do embrulho, as mãos tocam o livro e o olhar é levado pelas linhas do mapa de terras brasileiras que constituem sua capa. Esta é mais uma arte de Nildão - www.nildão.com.br   

O pequeno livro, de 10 por 7 cm, vai se agigantando com as  indicações de trajetos para viajar neste nosso imenso país.  A placa verde inscrita na capa indica nossa primeira direção nos próximos movimentos com o título: “Alegria Passa-e-Fica”. A leveza de Alegria(RS) no paradoxal movimento que Passa-e-Fica(RN),  fazendo a vida acontecer do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte. Mesmo na condição de já conhecer  o conteúdo da obra, minha sensação mantém a surpresa com a originalidade desta criação: uma poética feita exclusivamente com os nomes de 316 cidades brasileiras. Sem acrescentar preposições, artigos, verbos, etc.   A poética   da viagem, que segue no  movimento de folhear o livro,  é feita do cuidadoso garimpo na língua portuguesa que se expressa  no peculiar batizado dos nomes de nossas  cidades.  


Encontramos cinco territórios que organizam um trajeto para o leitor sorrir, desconcertar-se e até desacreditar que é possível tal proeza na conjugação de nossas cidades. No território de Pongaí(SP) a beleza do encontro de  Confins(MG) com Solidão(PE); em Miraí(MG), o sabor de Pimenta(MG), Canela(RS), Alecrim (RS) com Panelas(PE); em Quaraí(RS), o humor de Branquinha (AL), Banzaê (BA) com Ressaquinha (MG); em Piraí(RJ), a poesia de Paranapanema(SP) e Paranapoema(PR). Estas são apenas algumas pistas das delicadezas   oferecidas ao leitor as quais,  como bem denomina o autor, fazem parte da mina de mais de cinco mil cidades brasileiras. Sensibilidade, humor, ironia,  são  ingredientes  desta arte de conjugar cidades  para fazer poesia dos territórios que constituem as moradas de brasileiras e brasileiros. 

E cá estou em Paraí(RS), o quinto território do livro. Caminho   nesta cidade, último destino na obra do autor,  primeiro destino  que  a vida ofereceu  para que meu olhar   habitasse este livro. Encontro na  estação  final de “Alegria Passa-e-Fica”  o coração de um interior que está em cada um de nós. Pista já anunciada ao abrirmos o livro, quando  encontramos  na primeira  página um coração que se torna território das quatro cidades que marcam a pulsação da história de vida do autor. 


Cheguei por uma rua central que atravessa a cidade e fui me distraindo  dela quando avistei  a praça e, logo ali,  a igreja, a rodoviária, as indicações dos espaços públicos que fazem de um lugar uma cidade. O coração da cidade. Se seguirmos para as laterais vamos capilarizando sentidos. Duas ou três quadras de  rua com paralelepípedos e chegamos na estrada de terra misturada com a base de morros verdejantes. Portanto, temos  muitas possibilidades de fazer pulsar outros caminhos. Se seguirmos pela via central, que nos fez chegar,   encontraremos a indicação de  uma nova cidade para ficar... ou para passar...


Ao ficar no coração de Paraí encontro as pulsações que  fizeram o autor  ali finalizar sua obra pela história do que o nome anuncia.  Um visitante na cidade afirmou que Paraí assim era  chamada  porque ali os tropeiros encontravam um bom lugar de repouso e parada nas suas andanças. Dizia  um pouco de seu próprio lugar como forasteiro que de passagem escolhia a praça para brincar com seu filho. Mais adiante encontro uma senhora, moradora da cidade. Ela narra que um grupo de  imigrantes italianos, após a longa travessia pelo  oceano  e o desbravamento da serra gaúcha, chegou  nesta bela terra, onde  resolveu parar e fazer sua morada! Visitante  e moradora continham a mesma convicção: Paraí!

Terras marcadas pela política do mundo que nos leva a cartografar distantes lugares  para fazer o próprio mapa e ficar.  Terras marcadas pelas passagens em  estações que acolhem e possibilitam seguir.  De Pongaí a Paraí passamos pelo encanto de pedacinhos de  nosso país e vamos ficando   apaixonados por quem somos.  Não encontrei no pequeno livro minha cidade natal, nem a querida Porto Alegre que adotei como minha cidade faz tempo, mas encontrei a beleza de fazer de nossa terra e de nossa língua uma morada com a arte de viver para todos. Entretanto, o autor ficou atento a essa provável vontade do leitor  de querer encontrar nas personagens do livro aquelas que fazem parte da própria história. Então, depois de Paraí,  temos a  imagem de um  cérebro como  território das   cidades criadas pela ficção para acolher qualquer possibilidade. 


Ao inaugurar  este belo tesouro de  poetizar cidades o autor nos leva a viajar com a imaginação para encontrarmos em nosso interior  a cidade que desejamos. 
Confesso que meu coração já escolheu. Ele foi  invadido pela vontade de andar por esse Brasil sem fim  e sentar no banco da praça de cada personagem de “Alegria Passa-e-Fica”.




Comentários

  1. Adorei ler...vontade de tocar o livro, conhecer, descobrir cidades, lugares de bons encontros! Bjs

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  2. Humm... que tal ventar dias pelo interior deste Rio Grande, conversando e escrevendo, cartografando quintas nas cidades. Para pensar...

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  3. Gisa e visitantes de seu Blog,

    Eu mesma, como diz o baiano, não coloquei,ainda, a mão do livro Alegria - Passa e Fica!
    Mas, convido-as a poetarem por aqui http://vidavegetaloupalavrasdepapel.blogspot.com.br/

    Meu caderno não tem o charme das praças, coretos e jardins bem domesticados entre pedras brancas, mas oferece-se para experimentos com PALAVRAS!

    Uma terra para muitos, inclusive para fazer ver e habitar praças.

    abçs,

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