Férias em Ponta do Mutá




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Era para silenciar. Viver o sol e o mar para retornar com as lembranças na memória de si. Impossível... Como guardar as sensações no corpo e não compartilhar em traços de palavras, para que outros marquem no seu mapa, este tesouro das terras de nosso Brasil sem fim. Uma amiga gaúcha, que pousou sua morada na Bahia, já havia comentado com enlevo sobre este lugar. Depois, quando comentei sobre férias, um amigo mineiro - que também fez da Bahia sua casa - indicou de forma precisa o mapa da mina: Ponta do Mutá. Entre outros planos, acabei por optar por dias de encontro com o mar, o sol, as leituras, a caderneta para escrever sem compromisso, a areia para desmarcar meus passos em longas caminhadas. Minha convicção: viver férias acompanhadas pelo lugar que acolheria o pouso de minhas vontades. E assim aconteceu... 


Começamos com um peculiar trajeto que nos leva a experimentar outros tempos de locomoção. Chegando a Ilhéus, mais cerca de 150 Km. Se for de carro, o trecho final é uma estrada de terra que quem chega considera um equívoco do motorista. Mas ele afirma: “é por aqui mesmo”. Outra opção é ir até Camamu (esse lugar merece outro texto) de ônibus e andar numa embarcação que sai de hora em hora para Barra Grande. Você irá deliciar-se com o balanço do mar que abafa o motor do barco entre mangues, ilhas e o belo percurso da Baía de Camamu. Os mais afoitos podem fazer este trajeto com lanchas. Tempo de conversar, perguntar e construir o mapa dos próximos dias.


Cheguei! Encontro uma pousada “básica” (www.soldomuta.com.br/) e com tudo que é necessário: combinações claras e atendidas, toalhas cheirosas, boa cama para descansar, uma rede na sacada, vista para o mar entre coqueiros, um café saboroso (com tapioca feita na hora). De manhã o burburinho da arrumação do restaurante, uma construção simples com mesas e bancos de madeira. Ali estão presentes duas celebridades: a brisa do mar e o som das ondas. Entre o café da manhã, as idas e vindas de banhos de mar e o deleite ao sol, vamos acompanhando a chegada de ingredientes anunciando o cardápio que, logo mais, poderemos saborear. Os pescados vão chegando pelas mãos de trabalhadores da região, ali são pesados e podemos avistar os primeiros preparativos. Humm... Sim, tudo isso fará parte do delicioso cardápio elaborado por Carlos Motta. 


O jovem Chef compartilha a adoração pelo que faz com uma oferta saborosa de combinações com ingredientes brasileiros. Tem sua companheira por perto com um atento olhar que mantém o tom de leveza do ambiente, acompanhando o dia a dia  da pousada e nos orientando com dicas locais. E seu pai que incentiva as criações do filho, compartilha a administração do local e nos atualiza  sobre os projetos e preocupações com a sustentabilidade da região. Ambiente familiar? Sim. Mas vai além disso, pois o cotidiano de um negócio familiar se faz também da vida de moradores da região. Entre as mesas, no bar, na cozinha, olhares atentos e palavras que acolhem nossas vontades. A maioria chega ali para trabalhar e vai formando laços de pequenas comunidades, entre vidas compartilhadas neste dia a dia mais as histórias de quem por ali pousa para degustar a beleza do lugar.


Falemos de Mutá e o sol e a ponta. Embora pesquisadora de uma universidade, minha “investigação” foi feita com uma regra de rigor questionável, a conversa solta. Como estava em férias, prevaleceu o sentido vivido neste peculiar diálogo. Mutá? Um amigo paulista que já transita por ali faz tempo – e tudo indica que também fará desta terra sua morada - me disse que ali os nativos observavam a entrada de estranhos na Baia de Camamu, um certo ponto de observação e proteção entre batalhas da colonização. Parece que a natureza cuidou de ir formando a ponta de areia para seus moradores cuidarem de si e de sua terra naqueles tempos de invasões.


Como estamos numa península Ponta do Mutá nos presenteia com o adormecer do sol. Neste olhar povoado de luminosidade vamos nos percebendo especiais na intensa experiência com a natureza. Ao habitar este lugar percebi que somos observados e cuidados pela natureza com toda precisão de seus movimentos – dia, noite, sol, lua, maré, … . Bom seria se assim cuidássemos de nossa terra brasileira. Tudo indica que a pequena comunidade Sol do Mutá se esforça neste sentido e nos aguarda para afirmarmos uma rede de relações observadoras da vida que desejamos.


Creio que não é preciso dizer sobre o motivo de tantas pessoas fazerem da Bahia sua morada e, em especial, de Barra Grande. Alguém perguntará se não encontrei problemas... Sim, eu tenho muitas reflexões políticas, ecológicas, culturais, econômicas, mas estas ficarão para o texto da pesquisadora em psicologia social. Aqui, fica a intensidade de férias vividas como morada de si na natureza. Voltei trazendo na bagagem um pedaço dessa terra apaixonada que nos convoca a sentir de forma tão definitiva nosso lugar brasileiro.


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