Estações de uma juventude em nós ...


Texto publicado no Jornal Entrelinhas  
 Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul 
 Dezembro de  2011. 



Numa estação  de trem  sou invadida pela vida  acelerada de caminhantes que chegam em Porto Alegre. Ali ainda   conseguimos olhar o rio-lago que em sua  tranqüilidade  despreza a aceleração urbana que transita em seu em torno. Fico a pensar no que dizer,  alguns minutos depois,  quando conversarei a respeito das políticas juvenis com uma equipe de trabalhadores  públicos de uma cidade próxima. O trem chega. Ao entrar,  o movimento de meus olhos pousaram nos passageiros. Muitos jovens. Lendo jornal.  Ouvindo música. Dormindo.  Telefonando. Com o olhar no ar, na vida, nos meus olhos.

Criança? Adolescente? Jovem? Adulto? São designações assumidas para nomear ações  esperadas no desenrolar da vida. Lugares  para serem conjugados entre  idades e modos de viver. Se por um  lado,  identificamos de forma mais precisa as mudanças que vão diferenciando a infância e a adolescência, por outro as fronteiras da juventude em relação ao adulto parecem mais difusas. Para orientar as políticas nesta área a condição juvenil é associada a algumas características, entre as quais destaco e indago três: 1) Uma identidade própria – “Já não tinha?”; 2) A busca da condição adulta – “O que é estar adulto nos dias de hoje?”; 3) A emancipação e a autonomia – “Humm.. quem tem?”.

Essas orientações criam uma estação previsível para situar onde estamos neste percurso que  acontece sem parar. Mas é preciso estar atento, pois  quando  revisitamos os saberes  de quem já esteve numa etapa percebemos que nada está acabado no movimento da vida. Na experiência que faz a vida não temos tanta clareza de que ser jovem implica em dar conta de tarefas já realizadas pelos adultos. Considerado pela lógica consumista como aquele que deve  adquirir tudo que o tornará mais jovem, o adulto  é atropelado pelas tarefas que o afastam  do movimento de envelhecer. Enquanto isso,   sua potencia está,  exatamente, em perceber o movimento que o fez percorrer as  estações ao edificar a morada dessa experiência.  As estações pós 30 vão marcando o  meio do caminho. Aqui, o meio não é um ponto equidistante de extremos, mas  um estado que possibilita afirmar a produção de uma  vida. Entretanto,  parece que sempre se está tão distante do esperado,  do que deveria ser,  e voltamos ao que esperamos da juventude.

As vezes,  temos a impressão de que para consumir o modo de vida em curso   é preciso que os adultos queiram ser jovens, e que os jovens não queiram ser adultos. Estamos sempre atrasados e  mais ligados a quinquilharias do consumir-se que vão se tornando condições de sobrevivência. A questão que nos interroga é o quanto percebemos o movimento de como estamos nos tornando quem somos. Quem desejamos ser? O que desejam que nós sejamos?

Entre imagens televisivas na cena de publicidade,  o protagonista,  por não ter o carro da hora,  opta por  queimá-lo com o combustível que deveria movimentá-lo. Na próxima cena,  jovens de uma metrópole européia queimam prédios. Que edificação movimentam? São eventos de natureza diferente. O primeiro incêndio é imagem/imaginação, o segundo é imagem/realidade. Mas podemos  indagar: conceber um carro, planejar sua venda, pesquisar seu consumidor,  elaborar um comercial com as vontades do contemporâneo, produzem nossa realidade? As cenas dizem de  modos de viver em nossa sociedade. É preciso assumir as escolhas do que fazemos com o uso de nossa  imaginação na realidade que produzimos e nos consumimos. 

É rápida a transformação de atos juvenis em delinqüência e psicopatologia, cujas origens se encerram  na interioridade descontrolada do indivíduo e na “pertinência” de uma etapa da vida. O  posicionamento que transforma em delinqüentes aqueles que enunciam a condição que ocupam na sociedade é o caminho rápido das medidas de segurança. Pois se logo ali percebermos que esta condição não é somente destes outros, é também de quem estamos nos tornando, o que fazer? É preciso vagar para percebermos o que mais estes atos  dizem.

A enunciação juvenil tem sido marcada por reações desenfreadas  na ânsia de sinalizar uma vida em chamas que nos chama. A expressão dos impasses que experimentamos,  no contato com as disparidades que o mundo  produz,  marca as pistas de como estamos (d)enunciando as incompreensões do próprio sentido de nossa vida contemporânea. No Chile,  um  movimento juvenil afirmou uma política nas ruas pela educação. Na Espanha o movimento dos indignados iniciou e foi percorrendo  o mundo. Labaredas inspiradoras que aquecem novas direções do agir.

Podemos indicar alguns números que diversificam as imagens que configuram essa sinalização na vida que habita a juventude brasileira. Em 2009, 50,9% dos jovens entre   15 a 17 anos estavam cursando  o nível escolar esperado (o ensino médio), sendo que entre os  20% mais pobres da população, este índice é de 32%, e nos 20% mais ricos, essa situação refere-se a 77,9%. Entre 18 e 24 anos,  cerca de 38% cursavam o nível escolar esperado (ensino médio completo) e  mais de 14 milhões de jovens  estavam no redemoinho dos níveis escolares,  trabalhando com pouca qualificação e em condições precárias. Dados da imagem/realidade do IBGE. No que concerne  ao  Mapa da Violência de 2011, abordando a situação de jovens no Brasil, não temos edificações e carros queimados. A cena enunciada adverte que a partir dos 13 anos, continuamos com um número de vítimas de homicídio crescente que atinge o  pico de 2.304 na idade de 20 anos. Os elevados níveis de vitimização masculina e  negra permanecem. Também são preocupantes os números de jovens que morrem em acidentes de trânsito. 

As estações indicam que a política que aquece nossos percursos envolve, necessariamente,  como afetamos e somos afetados pelo que experimentamos nos modos de viver compartilhados para alimentar nossa capacidade de agir. 

Na saída do trem meus olhos traziam a imagem de uma bela rosa vermelha tatuada no braço de um jovem. Nada sei dos motivos desta rosa. Mas sei que as formas de  expressão enunciam que não estamos sós e que as imagens inspiram as escolhas de nossas próximas ações e estações.






Comentários

  1. Lindo blog, Gislei :) Demorou!
    Sugiro que visites o blog de um educando nosso aqui do POD Socioeducativo Pão dos Pobres:

    www.cvinicius394.blogspot.com

    bjão!

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